Dia 373 - Estória e História
"De um alpinista que escala uma montanha muito
alta e ao entardecer ele resolve desce-la, porém, um acidente acontece no meio
do percurso e devido a escuridão ele se apavora, não sabe o que fazer, não há
mais corda para descer, diante de si apenas o negro, o desconhecido, abaixo de
si a 'imensidão', talvez a morte. Em seu desespero, pois poderia morrer pelo
frio também, ele roga a Deus que o ajude, implora de todo seu coração e então
ele ouve uma voz que lhe diz:
- "Corte a corda!"
Ele não compreende direito... como poderia cortar a
corda? - iria morrer! - pensa desesperado.
Então, ele novamente ora a Deus e implora por
ajuda, não acredita no que ouviu, pensa que é coisa da sua cabeça.
No silêncio, na escuridão e no frio, prendeu a
respiração por um segundo e, novamente, escutou:
- "Corte a corda!"
Incrédulo, confuso, não concebia que a ajuda que
pedira dependia de sua morte. Ele queria viver e não aceitava ser a voz de Deus
a lhe pedir tal coisa.
As horas foram passando e seu corpo enfraquecendo,
o sono chegando e suas mãos congelando naquela corda que se agarrou tão
firmemente, como se fosse a única coisa que poderia, de fato, lhe salvar.
Ao amanhecer, sentido a falta do companheiro, os
colegas iniciaram as buscas. Poucas horas depois o encontraram, aos pés da
montanha, sem vida, agarrado a uma corda a, apenas, um metro do chão."
As vezes, é preciso seguir, se soltar das amarras
que nos impomos. Tomar decisões difíceis, mas, estamos acostumados a escuridão,
estamos cegos e, geralmente, ficando surdos... Para ouvir é preciso calar, mas,
nem sempre as palavras que pronunciamos em voz alta, mas, aquelas que dizemos a
nós mesmos, que nos impedem de tomar uma atitude.
Mas, nada é tão simples...
Usando a metáfora da corda, vamos dando 'nós'
durante o percurso e a corda se encurta, se embaraça, alguns precisam ser
desatados para podermos seguir.
E a dificuldade não está em desatar mas em retornar
e ter que lidar com a dificuldade da tarefa, com o custo que essa pode-lhe
gerar, causando-lhe, muitas vezes, dor, sofrimento, perdas... E há casos que o
nó é tão persistente que temos que cortar a corda, assim, sem dó, sem medo,
literalmente, num salto de fé.
Neste momento, a 'estória' vira 'história'...
Engraçado, hoje não se usa mais 'estória'... mas
eu, particularmente, gosto desta distinção, sempre soa como transformação.
Eu queria ter o dom de poder descrever os milagres
que recebo, nenhuma palavra minha tem este poder.
São as palavras que ecoam dos lábios de
desconhecidos, a senhora do ponto de ônibus que abre seu coração pra mim e
conta sua vida, uma lição. É um momento, ao caminhar na rua com os pensamentos
dispersos e, as vezes, triste, e uma senhora com as mãos ocupadas com sacolas,
mas, com as mãos da alma a conceder um gesto de gentileza em forma de sorriso e
palavras que te elevam. É uma pequena oração que uma tia distante te envia, que
embala seu coração a noite, e você só toma conhecimento somente pela manhã,
palavras como resposta ao seu pedido para Deus... a resposta enquanto você
segurava a sua corda.
É o café que alguém teve o cuidado de preparar e
que ao tomar lhe conforta o peito. É o sorriso do filho, com dentinhos
parecendo pequenas canjicas, a lhe pedir um beijo. É o beijo que damos com o
olhar a quem ternamente queremos aconchegar.
E o aconchego que recebemos em forma de luz, de
quem desconhecíamos nos amar. A distância que não existe, como o tempo... O
abraço que protege, que ama, sem nunca ter lhe tocado ou pedido nada em troca.
Não há como não ser grato a tantos presentes da
vida.
Tantas situações, tantas... mas, para percebe-las
temos que sair da escuridão, encarar o desafio de cortar nossas cordas, desatar
o nó, amar sem pedir nada em troca. Dar o que queremos receber.
A vida inteira é feita de saltos de fé e
milagres... pequenos e grandes, cordas e corações sofridos e tantos outros
cicatrizados... somos mosaicos, colchas de retalhos, fragmentos e ao mesmo
tempo um todo inacabado, contraditoriamente, perfeitos, filhos que hora ouve
seu Pai e hora não, mas, sempre, sempre amados, nunca desamparados se...
acreditarmos.
Uma 'estória' que conta muitas
"histórias", a corda da vida onde cada 'nó' representa cada um de nós
e dentro destes todo um universo que é partilhado mas sentido de forma muito
particular...
Como Lições e Milagres.
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